Tiago Cristóvão: o nosso "trunfo não é tecnológico"

Tiago Cristóvão: o nosso "trunfo não é tecnológico"

Sistematizar processos, falar com clientes e testar os preços são alguns dos conselhos que Tiago Cristóvão, founder da Undersee e um dos vencedores da primeira edição do Blue Bio Value, deixa a quem está agora a entrar no mundo do empreendedorismo.

© Undersee

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A Undersee, uma das startups vencedoras da primeira edição do Blue Bio Value (programa de aceleração organizado pela Fundação Oceano Azul e pela Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a Fábrica de Startups, a Bluebio Alliance e a Faber Ventures), foi fundada em 2016, com o objetivo de fornecer às empresas de aquacultura dados sobre a qualidade da água. Tiago Cristóvão, um dos fundadores da Undersee, explica que a ideia inicial era “desenvolver um produto para monitorização ambiental”.

Rita Frade (RF): Olá, Tiago. Como é que surgiu esta ideia de desenvolver um dispositivo que monitorizasse e recolhesse dados sobre a qualidade da água?

Tiago Cristóvão (TC): Olá, Rita. Inicialmente, começámos por desenvolver um produto para monitorização ambiental e, nessa altura, nem pensávamos em estudos de mercado, nem em que mercados iríamos atuar. Só a meio de 2018 é que decidimos focar-nos num mercado, porque se tentássemos chegar a todos, acabaríamos por não conseguir chegar a nenhum. E foi aí que decidimos forcar-nos na aquacultura.

 

RF: Que problema é que vocês queriam resolver com este produto?

TC: A falta de dados sobre a qualidade da água, principalmente nas zonas costeiras. Para não falar que a falta de dados tem, obviamente, implicações ambientais para o governo e para agências ambientais e, claro, também tem impacto económico direto nos produtores de peixe ou molúsculos (ostras, por exemplo), que se estão a reproduzir nessa área. Muitas vezes os peixes morrem e ninguém sabe porquê. Nós queremos fazer com que os produtores de peixe produzam mais.

 

RF: Depois de escolherem o mercado em que iam atuar, fizeram algum estudo de mercado?

TC: Sim. Fomos falar com as poucas empresas de aquacultura que há em Portugal, como a Nasharyba ou a Testa e Cunhas e elas mostraram-se interessadas na nossa solução.

 

RF: O que é que aconteceu a seguir?

TC: Em outubro, no programa BBV [Blue Bio Value], começámos a sistematizar o modelo de negócio. E foi também nessa altura que percebemos que até aquele momento a nossa estratégia era puramente engenheira e isso estava errado. Então, durante o BBV, decidimos que iríamos passar a ter uma estratégia em que tentamos avaliar o valor da solução que estamos a dar ao cliente e, a partir daí, fazemos um preço em relação a isso. Mas, como nós não sabíamos o valor da solução, o que fizemos foi dar um preço ao acaso. Primeiro dissemos que custava 15 mil euros, mas depois como ninguém regateava connosco começámos a subir o preço e agora estamos nos 24 mil euros.

 

RF: E agora? O modelo de negócio já está fechado?

TC: Não, não. Nós ainda o estamos a testar. Ou seja, neste momento a subscrição anual inclui a renovação do equipamento e o acesso à plataforma e cobramos os tais 24 mil euros por equipamento para fazer isto. Mas, estamos a avaliar a possibilidade de em vez de fazer uma subscrição por equipamento, fazer uma subscrição por instalação na aquacultura. Ou seja, o que nós estamos a pensar fazer é dar um preço, não em função do número de equipamentos, mas sim do número de instalações totais. É isto que nós estamos a fazer neste momento. Estamos a testar este modelo de negócio, mas ainda é evolutivo. Ainda não está fechado.

 

RF: De que forma é que programas como o Blue Bio Value (BBV) podem ajudar a testar e a validar ideias de negócio?

TC: No nosso caso, o BBV ajudou-nos muito, porque nós somos todos engenheiros e eu não tive nenhuma formação sobre negócios e os mentores eram muito bons.

 

RF: O que é que para vocês foi mais importante retirar do BBV?

TC: Sem dúvida, a sistematização do modelo de negócio. O BBV obrigou-nos a sistematizar as coisas e a ter uma visão mais sistemática da própria empresa. E, ainda agora, continuamos a fazer isso. Aliás, antes do BBV já estávamos a começar a sistematizar alguns processos, mas agora isso é um objetivo: desde os processos de angariação de clientes, aos processos de instalação, por aí adiante. E, neste momento, estamos a tentar criar o máximo de processos possível, a documentá-los todos e a torna-los sistemáticos, para depois quando fizermos contratações, ser mais fácil.

 

RF: Qual é que é o vosso maior trunfo?

TC: Nós não termos muita experiência em ambiente: eu sou engenheiro mecânico, o meu sócio, o Jorge, é engenheiro civil, depois temos outro engenheiro civil de hidráulica e um engenheiro químico e informático. Mas, apesar de não percebermos muito de negócios, nós somos humildes o suficiente para aprender, por exemplo, a comunicar com um doutorado, com vinte anos de experiência (que percebe imenso sobre o assunto), a extrair essa informação e a passar para uma pessoa que tem o quarto ano e que produz milhões de toneladas de peixe. Nós, neste momento, estamos a cobrir esta gap e não somos génios nenhuns. Isto é uma questão de conseguir falar com um e conseguir falar com o outro e, estranhamente, ninguém está a fazer isso. Não existe esta comunicação e essa é a nossa grande vantagem: é conseguir comunicar. E nós nem sequer somos grandes comunicadores: durante muitos anos, as pessoas iam ao nosso site e não percebiam o que é que nós fazíamos. Aliás, nem nós próprios percebíamos o que é que fazíamos. Portanto, nem sequer somos os melhores a comunicar, mas temos a humildade de perceber que a investigação tem uma coisa espetacular, que não está a ser utilizada, e que os aquicultores têm a possibilidade de produzir muito mais. Só o facto de sermos humildes para perceber isto é que nos faz ter uma posição estratégica, ter o tal trunfo. Portanto, o trunfo não é tecnológico, sem dúvida alguma.

 

RF: Onde é que esperam chegar?

TC: Nós esperamos conseguir ser o fornecedor de dados de qualidade de água mundial. Portanto, se as pessoas quiserem dados sobre a água, compram a Undersee. É este o nosso objetivo. Não é instalar o nosso equipamento em todos os barcos ou jaulas de aquacultura. Se passar por aí, tudo bem, mas pode não passar.

 

RF: Se tivesses de dar um conselho profissional a quem está agora a começar, qual seria?

TC: Eu diria para falar logo com o cliente. Não é esperar para ter qualquer coisa. Eu já cometi esse erro e não o volto a cometer e digo a toda gente para não o cometer. Não faz sentido nenhum estar a pensar em modelos de negócio e em produtos, sem se falar com alguém. O ideal (e o BBV tem essa metodologia) é fazer entrevistas, falar com não sei quantas pessoas. E eu acho que este é o principal problema das startups: assumirem que percebem o cliente. Eu acho que não se deve assumir isso. E, por isso, se tivesse de dar um conselho seria: não cometam esse erro, foquem-se nas entrevistas.

Entrevista feita por:

Rita Frade, Coordenadora de Marketing e Comunicação da Fábrica de Startups