Mário Mouraz: disseram-nos “que não havia espaço no mercado para aquilo que queríamos fazer e que eu, pessoalmente, era um mau CEO”.

Mário Mouraz: disseram-nos “que não havia espaço no mercado para aquilo que queríamos fazer e que eu, pessoalmente, era um mau CEO”.

Em entrevista à Fábrica de Startups, Mário Mouraz conta como surgiu a Climber, deixando também alguns conselhos para quem está agora a lançar-se no mundo do empreendedorismo.

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Lançada em lançada em 2015, a Climber é uma startup que tem como objetivo ajudar hotéis independentes e pequenas cadeias de hotéis a determinar o preço ideal de venda para os seus quartos. Mário Mouraz, co-fundador e CEO da ferramenta de revenue management, diz que perceberam que os hotéis “precisavam de uma ferramenta” que, de forma automatizada, “tomasse decisões de pricing” e que a Climber poderia resolver esse problema.

Rita Frade (RF): Olá, Mário! Antes de entrarmos em detalhes, vamos começar pela pergunta óbvia: como é que surgiu a ideia de criarem uma ferramenta de revenue management (gestão de receita)? Ou, melhor, como é que surgiu a vossa ideia de negócio?

Mário Mouraz (MM): Olá, Rita. A ideia de negócio surgiu no âmbito da minha segunda startup (a Climber é a terceira), graças a uma plataforma que tínhamos, que recolhia vários dados de turismo, de diferentes players. Nós ‘mastigávamos’ essa informação e vendíamos depois aos hotéis, sob forma de insight. O objetivo era que os hotéis tivessem uma noção mais clara do que se estava a passar, de forma a poderem adaptar as suas estratégias. Nós percebemos foi que, nessa necessidade, os hotéis também precisavam de uma ferramenta que automatizasse as decisões e que lhes permitisse ter uma poupança maior de tempo e, ainda, lhes facilitasse a vida. Foi aí que nasceu a Climber, uma ferramenta 100% automatizada, que toma decisões de pricing para hotel.

RF: O que é que essa ferramenta faz, na prática?

MM: A Climber é, portanto, um software automatizado de revenue management, inteligente, que usa machine learning, para decidir qual é que é o preço ideal a que os hotéis têm de estar a vender os seus quartos.

RF: Portanto, vocês perceberam que havia um problema (os hotéis precisavam de uma ferramenta que automatizasse as decisões e que lhes permitisse ter uma poupança maior de tempo) e que poderiam ter a solução para o resolver. Quando criaram a Climber, que objetivo, propriamente dito, tinham em mente?

MM: Conseguir democratizar o software de revenue management, isto é, torná-lo acessível a todos os hotéis do mundo. Existem cerca de 240 mil hotéis, mas só 4 ou 5% é que usam a tecnologia de software de revenue management, portanto, ainda há muito trabalho para fazer. A Climber está focada em democratizar, para os hotéis independentes e pequenas cadeias de hotéis, que são os principais afetados pela falta de ferramentas que os ajudem a vender os quartos ao melhor preço possível.

RF: E a vossa ferramenta ajuda os hotéis de que forma?

MM: O problema que estamos a tentar resolver é a falta de ferramentas digitais, tecnológicas que ajudem os hotéis, no seu dia-a-dia, a definirem o preço a que têm de vender os seus quartos e em que canais é que os devem vender. Essas ferramentas são chamadas de ferramentas de revenue management. Atualmente, para chegar a essas conclusões, os hotéis utilizam folhas de Excel, que são muito morosas, consomem imenso tempo, tornam-se complexas e, para além de tudo isto, há, ainda, a incapacidade de o ser humano conseguir estar constantemente atualizado sobre todos os fatores que influenciam a mudança de preços. Normalmente tem de se seguir a procura e oferta que existe no mercado e, como é tão irregular e tão dinâmica, um humano não tem capacidade de o fazer em tempo real, mas a nossa ferramenta tem. Portanto, nós digitalizámos um processo que já acontecia dentro dos hotéis, mas que era muito ou pouco mecanizado ou automatizado.

RF: Depois de perceberem que os hotéis tinham um problema e que os poderiam ajudar a resolvê-lo, qual foi o primeiro passo?

MM: Nós começámos por identificar quais eram as prioridades em termos de funcionalidades que um software destes ia ter. Ligámos para mais de 1000 hotéis em Portugal e no Brasil (logo nos primeiros dois / três meses de vida da empresa) e recebemos uma quantidade imensa de feedback, que nos permitiu montar um roadmap, a longo prazo, daquilo que nós queríamos desenvolver e com base nesse roadmap, começámos a definir as funcionalidades que a ferramenta haveria de ter.

RF: E qual foi o passo seguinte?

MM: Depois, desenvolvemos um protótipo, que fomos validar junto dos hotéis. Era um protótipo falso, portanto, não funcional. O objetivo era chegar ao pé dos hotéis e explicar-lhes que tínhamos uma ferramenta de software de revenue management, que lhes permitia resolver as suas necessidades de revenue e que para a podermos implementar, o custo era X. E os hotéis diziam que sim ou que não. Foi esse feedback inicial que utilizámos para criar a primeira versão verdadeira do produto. Mas, enquanto isso não aconteceu, tivemos de dizer aos hotéis que aquilo que lhes estávamos apresentar era um protótipo falso, que ainda não estava a funcionar, e voltaríamos lá dentro de meses, com um produto verdadeiro.

RF: Eram quantas pessoas?

MM: Começámos por ser apenas dois: eu e o João [Feliciano]. Encontrámos, depois, um adviser, que nos ‘levou pela mão’ durante os primeiros seis meses e que nos disse tudo aquilo que tínhamos de fazer, em cada semana. A ajuda deste adviser foi muito importante e é uma coisa que eu recomendo a todos os empreendedores, isto porque permite poupar imenso tempo.

RF: E em termos de capital?

MM: Começámos com capitais próprios, em que os founders investiam 40 mil euros, valor que ajudou a pagar salários durante um ano e meio (quer os nossos, quer o de outras pessoas), até termos a nossa primeira ronda de investimento fechada.

RF: Mas, às vezes, as coisas podem nem sempre correr bem para uma empresa em início de atividade (há sempre um risco). Como é que lidaram com essa incerteza inicial?

MM: Nós tentámos sempre tomar decisões validadas, porque há muitos pressupostos que estão subjacentes ao negócio (quer em termos de vendas, quer em termos de recrutamento, de marketing, de mercados, da concorrência, de pricing, etc.), que têm sempre de ser validados. Portanto, nós desenhávamos sempre testes, que levávamos depois ao mercado e validávamos se, de facto, era positivo ou negativo. Então, com base nesta aprendizagem sempre validada, fomos evoluindo aos poucos e poucos.

De qualquer forma, passámos por vários tipos de incerteza, como: em que mercados entrar primeiro?; Um mercado ou vários mercados ao mesmo tempo?; Qual o preço?; O que lhes vender?; Qual o tipo de cliente em que nos devemos focar (isto é, se são hotéis independentes, pequenas cadeias de hotéis, pequenos alojamentos locais, serviced apartments ou grandes cadeias de hotéis ou hostels)?

RF: Como é que lidaram com essas incertezas?

MM: Aquilo que nós fizemos foi falar com todos estes players e perceber o feedback deles em relação à aplicação e, depois, no final decidimos qual é que fazia mais sentido, com base numa serie de critérios, que tinham a ver com três coisas principais: esforço em desenvolvimento, o benefício que vai trazer para o negócio e para o cliente e o custo para nós.

RF: Houve mais incertezas?

MM: Outras incertezas que tivemos… Tivemos também que, a certa altura, decidir como é que queríamos levantar capital: através de investidores privados? Business angels? Venture capital ou através de crowdfunding? Decidimos fazer a primeira ronda de investimentos através de crowdfunding, por vários motivos.

RF: Vocês participaram, em 2015, no programa de aceleração Discoveries (altura em que nos conhecemos). Que importância têm estes programas de aceleração para uma startup, quando está a começar, e, em particular, que importância teve o Discoveries no desenvolvimento da Climber?

MM: O Discoveries [programa de aceleração com o apoio do Turismo de Portugal e da Fábrica de Startups] foi muito importante para a Climber, na medida em que permitiu, entre outras coisas, unir a equipa, definir integrações do produto, validar pressupostos, corrigir o pricing, treinar o pitch, ter contacto com investidores, fazer network com outros empreendedores e também identificar novos modelos de negócio, como por exemplo a consultoria, apesar de só o termos vindo a implementar mais tarde.

RF: Já passaram quatro anos desde que criaram a Climber, mas cálculo que ainda haja muito para fazer. Onde é que esperam chegar, nos próximos anos?

MM: Nós temos, ainda, um grande caminho pela frente. Fizemos 5% do que queremos fazer. Há uma grande oportunidade de mercado para ser explorado e nós temos de ser rápidos a capturar essa oportunidade e conseguir adquirir mais clientes rapidamente. Neste momento, estamos com cerca de 50 clientes e queremos passar para 500, rapidamente (em dois anos, no máximo, e depois 5000, num horizonte de cinco anos).

RF: Para além de querem aumentar o número de clientes, há mais alguma coisa que queiram fazer nos próximos anos?

MM: Queremos democratizar o software de revenue management. Queremos também que a Climber seja uma marca conhecida, em termos mundiais, como a melhor marca de software de revenue management para unidades hoteleiras, que não sejam as grandes empresas multinacionais ou os grandes grupos hoteleiros.

Queremos ser vistos como uma boa empresa para se trabalhar, que investe em pessoas jovens, em inovação e que dá oportunidades, que foi uma coisa que os founders sentiram no seu percurso profissional, isto é, falta de empresas que investissem em jovens e muita exploração e nós não queremos representar essa exploração na Climber e um dos exemplos é que todos os estagiários que trabalham connosco são remunerados.

Queremos expandir para fora de Portugal e já o fizemos. Já estamos em vários países, mas queremos aumentar o nosso alcance e ter equipas multidisciplinares e multiculturais. Neste momento, somos oito nacionalidades a trabalhar em várias partes do mundo. Para além disso, a nossa equipa ainda se encontra concentrada em Lisboa.

RF: Se pudesse dar um conselho a quem está agora a lançar o seu próprio negócio, qual seria?

MM: Arranjar um bom co-fundador é crítico. Por um bom co-fundador entende-se alguém com competências complementares, de diferentes idades, diferentes energias e diferentes skills. Não procurem um co-fundador com as mesmas características e a mesma personalidade que vocês, mas que sejam complementares. Que se respeitem, que tenham confiança um no outro, porque se não houver todos estes pilares, não vai funcionar.

Tal como referi anteriormente, é importante também arranjar advisers que já tenham feito aquilo que vocês querem fazer no mercado, na indústria ou onde quer que seja (por exemplo, vender empresas, escalar empresas), mas arranjar alguém que já o tenha feito, porque essa pessoa vai-vos conseguir ajudar, passo a passo, em troca de uma percentagem da empresa (visto que, no início, as startups não têm capacidade de financiamento, não têm capacidade de pagamento, como se fosse consultoria).

RF: Mais algum conselho?

MM: Recomendo fazer sempre um progresso baseado em validação de pressupostos, em que se desenham testes, para garantir que as decisões tomadas são as corretas ou, pelo menos, diminuir o risco de que elas estejam erradas.

É importante, ainda, terem configurados processos dentro da empresa, para se conseguir escalar rapidamente e conseguir tomar todas as decisões baseadas em métricas, isto é, tirar métricas de todos os departamentos, desde vendas, marketing e, o mais possível, também ao produto.

Depois, não desistir. É muito importante ser-se determinado, resiliente, porque ninguém consegue montar uma empresa grande e com sucesso de um dia para o outro. Isso não acontece. Só nos filmes. É muito duro ser-se empreendedor. O co-fundador tem de abdicar de muita coisa e as pessoas têm de estar conscientes de que é difícil, então, têm de abdicar dos próximos 5 anos da vida delas a fazer só aquilo. As pessoas não estão conscientes do quão difícil é ser-se empreendedor.

Falar com pessoas, mentores, outros empreendedores do mesmo ramo também é muito importante. É uma mais-valia ter uma rede de contactos a quem se possa ligar diariamente ou semanalmente a pedir opiniões sobre determinados temas e feedback, foi uma coisa que a mim, pessoalmente, uma área que me ajuda todos os dias e, da mesma forma que peço ajuda, também ofereço ajuda a outros empreendedores.

RF: Já agora, aproveito também para perguntar, qual foi o melhor conselho profissional que já vos deram?

MM: Eu posso dizer qual é que foi a pior coisa que já nos disseram, mas que nos ajudou a crescer e que nos deu mais motivação e mais energia: disseram-nos que nós nunca seríamos uma empresa de sucesso, que não havia espaço no mercado para aquilo que nós queríamos fazer e, ainda, que eu, pessoalmente, era um mau CEO. Tudo isto me dá mais energia para continuar a trabalhar todos os dias, mas faço-o por mim. Não o faço para provar a estas pessoas que elas estão erradas.

RF: Houve alguma coisa que tenha feito a diferença na vida da Climber?

MM: Eu acho que arranjar mentores e advisers na área foi, provavelmente, das coisas que mais diferença fez na nossa startup, até porque eu falhei as minhas primeiras duas empresas, porque não tinha exatamente isso e, portanto, eu acho que é um fator primordial e que aconselho a qualquer empreendedor, que esteja a começar, a fazer.

RF: Uma última mensagem?

MM: Força! Não desistam dos vossos sonhos. Façam acontecer. E esta é a ultima mensagem que eu gostava de passar: passar da palavra à prática é essencial para fazer os projetos crescerem.

Entrevista feita por:

Rita Frade, Coordenadora de Marketing e Comunicação da Fábrica de Startups