Marta Silva: Amo-te, escritório
© Ana Oliveira, Fábrica de Startups
Oh não, mais um post sobre produtividade em trabalho remoto! Fiquem descansados, que não é para vos dizer como me adaptei espetacularmente à labuta fechada em casa. Pelo contrário: estas são as 10 razões para lembrar como é melhor trabalhar no escritório. As minhas, claro.
1. Turismo matinal
O sol e o mar sem fim à vista como companheiros é o que me espera, quando pego no carro para ir trabalhar. Ah, a Marginal! Como é bom começar a manhã no melhor circuito turístico do Planeta. Com tempo para ter boas ideias e organizar as prioridades do dia. Só é pena acabar logo ao fim de 15 minutos, que a minha casa é perto do escritório. Nem tudo é perfeito.
2. Banda sonora
O meu prédio é sossegado. Da janela da sala vejo garças e melros. Durante o confinamento é o reduto perfeito para trabalhar.
Trrim-Trrim! “Homem do pão!”
Trrim-Trrim! “Entrega do supermercado!”
Atchim! O meu marido tem alergia crónica.
Trrim-Trrim! “Encomenda para a menina do 2º esquerdo!” (estava em saldos, não me olhem de lado)
Trrim-Trrim! “Correio!”
Atchim! Atchim! O meu marido. Muita alergia. Muuuita.
Trrim-Trrim! “Temos aqui um serviço da Endesa para lhe apresentar!”
Trrim-Trrim! “A Remax está interessada em fazer uma oferta!”
Atchim! Atchim! Atchim! O meu marido… já vos falei dele?
Quando criamos boas rotinas, estas ajudam-nos a estabilizar a vida e a melhorar a produtividade. Há quem defenda que precisamos de 60 dias para absorver um novo hábito. Adaptação. Eu já trazia largos meses de ruídos de escritório, transformados em banda sonora zen. Onde os outros ouvem marteladas em teclados e telefones de conversas infinitas, eu ouço sons do mar e da floresta.
Como é que a minha concentração sobrevive fechada em casa? O site I Miss The Office, criado pela Kids Creative Agency, foi uma das grandes descobertas dos últimos meses.
3. As ideias são de todos
Na Fábrica de Startups agimos, essencialmente, na resolução de problemas. Ajudamos grandes empresas, startups e empreendedores a ultrapassarem obstáculos. A implementarem soluções únicas. Todos os dias somos confrontados com novos desafios, por isso as nossas metodologias e processos são um fator crítico de sucesso. No entanto, há muitos momentos de pura criatividade. Eram fases de brainstorming, agora transformadas em brainwriting.
Uma equipa em confronto criativo beneficia muito da reunião presencial. De interrupções, de ideias que fazem disparar ideias, do processo orgânico que provoca pensamento de grupo. De um white board. De muitos post-its. E eu tenho uma gaveta cheia lá no escritório.
4. Expressão corporal
O aumento das videochamadas deu origem à experiência social que comprova, com amostra muito alargada, haver interações virtuais extenuantes para o cérebro. Durante uma conversa presencial, o intelecto concentra-se parcialmente nas palavras, captando sinais adicionais com sugestões não verbais. Um processo natural adulterado nas videochamadas, que requerem atenção permanente por dependermos só das palavras. Além disso, a visualização em modo galeria é um desafio para a visão central do cérebro, porque obriga a descodificar tantas pessoas ao mesmo tempo, que ninguém transmite algo de significativo. Por vezes, até quando está a falar.
Mesmo esquecendo a fadiga, as videochamadas em grupo são sessões menos colaborativas, mais parecidas com conversas isoladas. E o pior de tudo? Ninguém quer ver a sua imagem constantemente refletida num quadradinho. Se eu quisesse ser personagem de banda desenhada, ia trabalhar para a Disney. Como princesa. Num castelo. Com escritório.
5. Espionagem gastronómica
105 dias depois, já esgotei o meu portfólio de receitas de culinária. É verdade que eram só quatro, mas o que importa aqui é a premissa. Gosto de pôr a mão na massa. Ninguém me apanha a fazer pão. Trato por tu todos os restaurantes numa distância Uber Eats da minha casa. Em suma: faz-me falta espiar os almoços vegan, vegetarianos, flexitários e carnívoros dos colegas com quem partilho a mesa durante o almoço. Até estava quase a roubar a minha quinta receita, quando fui afastada do escritório. Uma espiã não foi feita para o lar.
6. Shows de stand-up
Quem me conhece, sabe-me muito dada à piada fácil. Em casa, sinto fugir cada vez mais o público que se ri das minhas graçolas lá no escritório. Por piedade, é certo, mas isso não me interessa. Resta-me o meu marido como audiência, mas ele não capta o meu sentido de humor. Estar sempre de headphones também não ajuda.
Rir melhora a oxigenação e o sistema cardiovascular. É fundamental na libertação de serotonina, um antidepressivo natural, e endorfinas, responsáveis pelo bem-estar mental, mas também físico. Sabem porque é que a galinha atravessou a estrada? Claro que não sabem, estão longe do escritório.
7. Head hunters especializados
Quem, como eu, perde mais tempo no scroll do menu da Netflix do que a ver séries, vai identificar-se com esta necessidade. Preciso de um grupo que me ajude a fazer a seleção das melhores escolhas, para poupar tempo que muitas vezes nem tenho. Qual o sushi mais delicioso de Peniche? O que está trending nos tecidos à base de algas? Onde posso comprar o melhor lápis? Eu tenho as piores perguntas. Eles têm as melhores respostas. Sabem onde estão estas pessoas? Adivinharam.
8. Um je ne sais quois de Caraíbas
Trabalho numa secretária com vista para a praia. Se me apetecer, levo um biquíni e vou dar um mergulho à hora de almoço. Nunca fiz isso. Sabem porquê? Sinto-me mesmo em casa no meu escritório.
9. Lavagem automóvel personalizada
Não dá para explicar a ateus, agnósticos e céticos em geral. A vós que sois crentes deixo esta mensagem divina. No parque de estacionamento da Fábrica de Startups materializa-se um anjo sempre que um carro precisa dele. O valor que se desmaterializa da nossa carteira é sempre muito inferior ao serviço obtido. Alguns carros andam limpos. Os nossos perfumam a crosta terrestre (e algumas nuvens mais baixas).
10. A malta que faz isto andar para a frente
Acredito na soma das partes. E tem sido essa a nossa vantagem competitiva, graças a uma equipa coesa, atenta, ambiciosa e sempre com vontade de se superar. Uma das maiores lições desta fase foi ganhar consciência de que a empatia é um dos valores fundamentais na cultura de empresa.
Abrir linhas de diálogo em diversas plataformas, mostrar disponibilidade para ajudar, ser transparente na comunicação, para assegurar um sentimento de segurança generalizado, saber delegar, respeitar decisões. Tudo isto permitiu-nos consolidar a flexibilidade, sem perder a organização. E provarmos uns aos outros que somos capazes de ser ainda melhores nestas condições.
Estou tramada, nunca mais tenho o meu escritório de volta.
Texto escrito por:
Marta Silva, Diretora de Marketing da Fábrica de Startups