Marta Silva: Empreendedorismo ganha com demissões em massa

Marta Silva: Empreendedorismo ganha com demissões em massa

A transformação é real. Os últimos meses a trabalhar de casa mudaram a nossa ação profissional, assim como o seu equilíbrio com a vida pessoal. Escrevo este texto na minha sala, entre plantas novas (algumas já a precisar de cuidados intensivos) e vários projetos inacabados de teor faça você mesmo. Sinto o cheiro a pão de banana acabado de sair do forno, inundando a casa de felicidade doméstica. Quase não me reconheço.

© Ana Oliveira, Fábrica de Startups

© Ana Oliveira, Fábrica de Startups

Tal como eu, uma vasta comunidade de workaholics inveterados teve de criar novos hábitos, sem perder o pé nas logísticas caseiras. E isto mantendo níveis de produtividade, enquanto se gerem equipas com variações de humor.

Este teste global de resistência provocou exaustões e desistências, mas também trouxe a descoberta de novos ângulos da expressão “o que não nos mata torna-nos mais fortes”. Num oceano de stress, procuramos superar os obstáculos da ansiedade, encontrando motivação e energia de formas nunca dantes navegadas.

Como será então o futuro do trabalho? Quais os novos hábitos a manter? Que consequências terá o isolamento social? Mesmo sem a minha bola de cristal, posso adiantar-vos que há algo de novo no reino empresarial.

O prognóstico do professor universitário e especialista em psicologia organizacional Anthony Kolrz confirmou-se: o mercado viu um grande número de trabalhadores deixar o emprego durante a pandemia. Só em abril de 2021, foram mais de 4 milhões nos EUA, a taxa mais alta desde que há registos.

Este movimento, batizado como “Grande Demissão”, apanhou quase toda a gente de surpresa e levantou múltiplas questões. As respostas, apontam os especialistas, estão diretamente relacionadas com a pandemia.

O impacto de equilibrar a vida familiar com o trabalho levou pessoas ao esgotamento, tal como à epifania de reavaliarem as prioridades. Muitas perceberam que querem passar mais tempo com a família, relegando a importância do trabalho para segundo plano, em particular quando a atividade profissional não traz um sentimento de realização. É também esse motivo que impele cada vez mais pessoas a considerar uma mudança na carreira ou mesmo a lançar um negócio próprio.

Além disso, a adaptação ao teletrabalho superou expectativas, sendo uma descoberta para imensos profissionais, que agora recusam perder a flexibilidade e a liberdade que o trabalho remoto lhes conferiu. E se, por outro lado, muitas empresas anseiam pelo regresso dos trabalhadores, estes, em número crescente, já andam à procura de oportunidades profissionais que se enquadrem nas suas novas preferências. Voltar para o escritório? I don’t think so, boss.

Na Fábrica de Startups estamos a testemunhar o desenrolar da tendência dos EUA em Portugal, através de um aspeto concreto: o novo fluxo de empreendedores, no que já antevemos ser a semente de uma Nação Empreendedora. As candidaturas aos nossos programas de aceleração, como o Tourism Explorers, o Discoveries, o adVenture e o Starting, não param de aumentar, surgindo cada vez mais pessoas com vontade de pôr as suas ideias como protagonistas de projetos empreendedores. O velho cliché do desafio que se transforma em oportunidade, tantas vezes referido em tempos de pandemia, começa a ter reflexo na realidade.

O mercado norte-americano foi sempre um barómetro mundial e tem antecipado tendências, pelo que não me surpreende ver um movimento lusitano de mudança de vida, alicerçado no olhar renovado sobre a carreira. Acredito em consequências positivas para a economia, com tudo para ficar mais ágil e competitiva, fazendo subir o emprego e a geração de riqueza. E não só: da “Grande Demissão” até à subida dos índices nacionais de felicidade caminha-se de sorriso aberto. Será desta que superamos a Finlândia?

Texto escrito por:

Marta Silva, Diretora de Marketing da Fábrica de Startups